A Gestão da Cultura no território da Quarta Colônia do Rio Grande do Sul: perspectivas e potencialidades para o desenvolvimento1

Gestión Cultural en el territorio de la Cuarta Colonia de Río Grande del Sur: perspectivas y potencialidades de desarrollo

Culture Management in the territory of the Fourth Colony of Rio Grande do Sul: perspectives and potential for development

Recibido: 12 de febrero de 2025
Aprobado: 4 de junio de 2025

Flavi Ferreira Lisbôa Filho

Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-4307-9401

Gustavo Martorelli

Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

https://orcid.org/0009-0001-6264-8254

Elisa Lubeck

Universidade Federal do Pampa, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-9176-0050

Resumo

O artigo apresenta uma análise inicial das práticas de gestão cultural na região da Quarta Colônia, localizada no estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, que corresponde ao território reconhecido internacionalmente como Geoparque pela UNESCO desde 2023. A pesquisa aborda a estrutura cultural da região, considerando aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos, e propõe um diagnóstico das ações de preservação e promoção das manifestações culturais locais. Por meio da vertente teórica dos Estudos Culturais, objetiva-se analisar as iniciativas existentes e os principais agentes envolvidos em sua gestão, buscando compreender a importância da implementação de políticas públicas culturais nas discussões sobre desenvolvimento e sustentabilidade. Após apresentar um panorama dos investimentos em cultura no Brasil e no território do Geoparque Quarta Colônia, discutimos algumas das principais formas de incentivo promovidas pelos entes federativos do país, como a adesão ao Sistema Nacional de Cultura (SNC) e a promoção da participação democrática dos cidadãos na administração pública. Por meio de um estudo empírico, fundamentado em pesquisa bibliográfica, refletimos sobre a gestão cultural eficiente no sentido da preservação do patrimônio e da construção identitária. O estudo contribui para o tema da transformação social e do desenvolvimento sustentável, cuja valorização das identidades e do patrimônio exige investimento em ações culturais, especialmente para o exercício da cidadania e da democracia.

Palavras-chave: patrimônio, comunidades maias, megaprojetos de energia, justiça cultural, consulta prévia.

Resumen

El artículo presenta un análisis inicial de las prácticas de gestión cultural en la región de Cuarta Colonia, ubicada en el estado de Río Grande del Sur, en Brasil, que corresponde al territorio reconocido internacionalmente como Geoparque por la UNESCO desde 2023. La investigación aborda la estructura cultural de la región, considerando aspectos históricos, sociales, políticos y económicos, y propone un diagnóstico de acciones para preservar y promover las manifestaciones culturales locales. A través de la vertiente teórica de los Estudios Culturales, se pretende analizar las iniciativas existentes y los principales agentes involucrados en su gestión, buscando comprender la importancia de implementar políticas públicas culturales en las discusiones en torno al desarrollo y la sostenibilidad. Habiendo brindado un panorama de las inversiones en cultura en Brasil y en el territorio del Geoparque Cuarta Colonia, discutimos algunas de las principales formas de incentivo promovidas por las entidades federativas del país, como la adhesión al Sistema Nacional de Cultura (SNC) y el fomento de la participación democrática de los ciudadanos en la administración pública. A través de un estudio empírico, basado en investigaciones bibliográficas relacionadas, reflexionamos sobre la gestión cultural eficiente en el sentido de preservación del patrimonio y construcción de identidad. El estudio contribuye al tema de la transformación social y el desarrollo sostenible, cuya valorización de las identidades y del patrimonio requiere inversión en acciones culturales, especialmente para el ejercicio de la ciudadanía y la democracia.

Palabras clave: cultura, desarrollo, Cuarta Colonia, gestión pública, patrimonio.

Abstract

The article presents an initial analysis of cultural management practices in the Quarta Colônia region, located in the state of Rio Grande do Sul, in Brazil, and which corresponds to the territory internationally recognized as a Geopark by UNESCO since 2023. The research addresses the cultural structure of the region, considering historical, social, political and economic aspects, and proposes a diagnosis of actions to preserve and promote local cultural manifestations. Through the theoretical aspect of Cultural Studies, the purpose is to analyze existing initiatives and the main agents involved in management, seeking to understand the importance of implementing cultural public policies in discussions around development and sustainability. Having provided an overview of investments in culture in Brazil and in the territory of the Quarta Colônia Geopark, we discuss some of the main forms of incentive promoted by the country’s federative entities, such as adherence to the National Culture System (SNC) and encouraging the democratic participation of citizens in public administration. Through an empirical survey, based on related bibliographical research, we reflect on efficient cultural management in the sense of heritage preservation and identity construction. The study contributes to the theme regarding social transformation and sustainable development, whose valorization of identities and heritage requires investment in cultural actions, especially for the exercise of citizenship and democracy.

Keywords: culture, development, Fourth Colony, public management, heritage.

Flavi Ferreira Lisboa Filho. Brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil. Líneas de investigación: Estudos culturais, desenvolvimento, patrimônio cultural, comunicação. Correo: flavi@ufsm.br

Gustavo Neves Martorelli. Brasileiro. Bacharel em Relações Públicas pela Universidade Federal de Santa Maria. Faculdade de Comunicação Social - Relações Públicas, Centro de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, Brasil. Líneas de investigación: Comunicação, estudos culturais, ética profissional. Correo: gnmartorelli@gmail.com

Elisa Lubeck. Brasileira. Pós-Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria. Professora na Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS, Brasil. Líneas de investigación: Estudos culturais, desenvolvimento, patrimônio cultural, relações públicas, comunicação. Correo: elisaterra@unipampa.edu.br

Introdução

A região da Quarta Colônia, localizada no centro do Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, é composta por nove municípios —Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Seca, São João do Polêsine e Silveira Martins— e corresponde ao território reconhecido internacionalmente como Geoparque pela UNESCO desde 2023. Devido à relevância geológica e paleontológica, que resgatam a história da humanidade, é preciso um olhar atento à construção identitária local para garantir o sentimento de pertença das pessoas e, consequentemente, a preservação e a valorização patrimonial natural e cultural (Figura 1).

Por meio da cultura, conceito de complexa definição e vasta formulação etimológica, as relações sociais são também estudadas com viés antropológico, de maneira interdisciplinar. Por tratarmos de comunidades, territórios e comunicação, os Estudos Culturais são uma vertente teórica que garante a ancoragem do presente trabalho àquilo que se pretende abordar na perspectiva da gestão dos geoparques e da administração das práticas sociais, visando ao desenvolvimento.

De acordo com os ensinamentos de Raymond Williams (2007, pp. 117-124), um dos expoentes precursores dos Estudos Culturais, o termo “cultura” é complexo em historicidade e acepções, o que denota a multiplicidade intelectual influente nas diversas áreas do conhecimento. A rica etimologia da palavra desdobra-se também nos sentidos de cultura enquanto processos de cuidado ou hábito de cultivo, de honrar/venerar ou tratar a lavoura, por exemplo.

Nas gramáticas inglesa, francesa e alemã, Williams (2007) expõe que, na modernidade, a definição de “cultura” sofreu transformações e o processo intrincado aponta novos sentidos à concepção e usos do vocábulo. Ao categorizá-los em áreas, uma delas torna-se ideal para discorrermos neste estudo: cultura como substantivo independente, abstrato e vinculado às atividades intelectual e artística. Toda essa complexidade nos permite inferir que a interdisciplinaridade e a articulação, por intermédio da comunicação nas práticas sociais, fazem da cultura a esfera de sentido que materializa os padrões de comportamento e o modo de vida em cada sociedade. Como afirma Eagleton (2005), a cultura não é só aquilo que vivemos, mas aquilo para o que vivemos, englobando afeto, relacionamento, memória, parentesco, comunidade, lugar, satisfação emocional, entre outros.

Figura 1. Mapa da Quarta Colônia do Rio Grande do Sul

Observação. Schirmer, Gerson Jonas; Robaina, Luís Eduardo De Souza, 2018, p. 202

Garretón (2003), ao analisar o espaço cultural latino-americano, afirma que “la cultura pasa a ser el “cemento” de las sociedades”, mostrando que a cultura é o “substrato”, ou seja, o conjunto das perguntas e respostas pelo sentido, associando as formas de comunicação, as identidades e a linguagem com a maneira de pensar e os modelos éticos de conhecimento com a maneira como a sociedade define o espaço, a natureza, o tempo e a relação com os outros. Ainda, a cultura também está relacionada com as instituições e os aparatos, bem como com as perguntas e as respostas por sentido no campo simbólico, considerando a educação, a ciência, a tecnologia, a criação artística e as indústrias culturais. Para o autor, a ideia central é que uma política cultural seja sempre uma referência a estes campos, reconhecendo a autonomia de cada um.

Considerada essa vertente, a articulação entre as instâncias da cultura, do patrimônio e da identidade, do desenvolvimento sustentável endógeno e da gestão cultural na região dos geoparques, possibilita que os conhecimentos delineados pela teoria reforcem o enfoque na cultura enquanto atributo de uma comunidade, organizada e estruturada conforme padrões de comportamento dos indivíduos que comungam de pertencimento e representação, e que “estudá-la é investigar a natureza dessa estrutura, o complexo das relações” (Rebellato, Caravalho e Lisboa Filho, 2024, p. 11).

A partir da compreensão de identidade e pertencimento, podemos pensar no desenvolvimento sustentável regional como a integração das diversas frentes da sociedade, em convergência para estabelecerem compromissos de que as práticas sociais valorizem as características inestimáveis de todo o conjunto patrimonial. Poder público, instituições de ensino, empresas privadas, terceiro setor, sociedade civil organizada e cidadãos precisam se comunicar e estarem alinhados com a geração de capitais condizentes com a necessária conservação ambiental e patrimonial.

Segundo Rebellato, Carvalho e Lisboa Filho (2024, p. 181), “a comunicação tem a capacidade de estabelecer conexões e robustecer um passado partilhado entre os indivíduos”. Nesse sentido, a comunicação atinge patamar superior ao instrumental e engloba os elementos dos grupos sociais formados por indivíduos que comungam, em determinado espaço geográfico, de aspectos culturais próprios. Portanto, a cultura atravessada pela comunicação propicia na sociedade os vínculos identitários e a valorização da história e do território que lhe pertencem.

No final do mês de abril de 2024, o estado do Rio Grande do Sul passou a enfrentar a maior calamidade pública já registrada2. Após as consequências catastróficas das chuvas3, agravadas por certa inobservância gerencial e estrutural das populações e cidades gaúchas, é pertinente e atual a discussão sobre políticas públicas culturais que abrangem não apenas a reparação dos danos, mas também a previsibilidade de cenários, em que cada vez mais as forças da natureza e as questões socioambientais e econômicas estão presentes em nossas vidas. O diagnóstico preliminar pelo viés da cultura, a que esta reflexão se propõe, justifica-se na medida em que pretende traçar a realidade da gestão da cultura na região da Quarta Colônia e viabilizar ações que fortaleçam a conservação dos patrimônios e das identidades.

Com o objetivo de refletir sobre a importância das políticas públicas culturais para a gestão eficiente na Quarta Colônia, consideradas as perspectivas condicionantes do exercício da cidadania cultural dentro do contexto de sustentabilidade, foi realizada, em um primeiro momento, pesquisa bibliográfica e quantitativa de nossa autoria, intitulada “Análise acerca da produção acadêmica da UFSM sobre os Geoparques Quarta Colônia e Caçapava e suas possíveis relações com o patrimônio cultural”4.

O estudo possibilitou o aprofundamento do reconhecimento e da identificação desses territórios e suas particularidades, inclusive para problematizar as conexões entre desenvolvimento, comunicação e patrimonio, com primazia da cultura nas relações sociais e nos processos comunicativos, com enfoque no desenvolvimento e na democracia.

Por iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Santa Maria (PRE-UFSM), houve levantamento empírico de dados sobre o sistema de cultura dos municípios integrantes da Quarta Colônia no ano de 2022. Além disso, através de questionários individualizados, por meio das secretarias municipais de cultura ou setores correspondentes, foram coletados dados sobre museus, bibliotecas, centros culturais, grupos artísticos e festas tradicionais.

O presente trabalho apresenta um breve panorama dos investimentos em cultura no Brasil, com o objetivo de reconhecer os principais modos de incentivo promovidos pelos entes federativos do país. Em um segundo momento, trata do sistema de cultura enquanto elemento fundamental para a participação da sociedade na elaboração de políticas culturais. Na terceira parte, aborda-se o levantamento empírico dos municípios da Quarta Colônia, com dados obtidos no intuito de analisar preliminarmente a gestão da cultura no território. Ao final, são apresentadas reflexões que contribuem para estudos e aprofundamentos temáticos com a finalidade de fortalecer a importância da gestão eficiente para a preservação patrimonial, a construção identitária e o sentimento de pertença das pessoas.

Sistema de Cultura e Investimentos no Brasil

É importante estabelecermos um breve retrospecto acerca do histórico da cultura e das políticas culturais no Brasil5: o ano de 1930 corresponde ao início da organização mais estruturada das instituições culturais. A cultura nacional tornou-se compromisso dos governos desde então e, em 1937, houve a instauração do Departamento de Cultura, ligado ao Ministério da Educação e Saúde e, futuramente, transformado em Ministério da Educação e Cultura (MEC) com o papel primordial de promoção e regulamentação da cultura brasileira.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), também no ano de 1937, é um marco histórico devido a sua criação direcionar esforços à preservação e proteção dos bens patrimoniais, históricos e culturais, com vistas a perpetuar a identidade cultural do país. Em paralelo, o MEC responsabiliza-se pelo estabelecimento de políticas públicas no sentido de promoção da produção artística e cultural, instaurando a institucionalização da cultura nacional.

A consolidação das políticas culturais foi abalada na década de 1960. Com a promulgação da Constituição Federal de 1967 e a ditadura militar, a cultura passou por transformações estruturais, cuja censura e repressão balizaram a produção cultural que apenas interessava aos anseios do regime. Não obstante, forças sociais e movimentos culturais contrários somaram-se em importância no cenário da cultura nacional de modo a afrontar, com inovação e coerência, o sistema.

Na década de 70, foram criadas instituições para atender às novas necessidades do período e também incentivar a criação do Ministério da Cultura (MinC), em 1985: criação da Política Nacional de Cultura (PNC), em 1975; a promulgação da Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978 (Lei que dispõe sobre a regulamentação das profissões de artistas e de técnico em espetáculos de diversões, e dá outras providências); e a criação da Fundação Nacional das Artes (Funarte) e da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), ambas em 1975.

A cultura brasileira ganhou fôlego na década de 1980, com a reabertura política que permitiu a revitalização da cultura mediante a criação em 1985, durante o governo de José Sarney, do Ministério da Cultura (MinC). Seu principal papel era a implementação de políticas culturais e promoção da diversidade e desenvolvimento. A flexibilidade da gestão governamental e a redemocratização do Brasil possibilitaram a expansão das políticas culturais entre 1980 e 2000.

A Constituição Federal de 1988 avançou no tocante à garantia de direitos fundamentais dos cidadãos, dentre eles, a cultura como direito totalizante e dever estatal. O Ministério da Cultura foi recriado para a coordenação das políticas culturais e reafirmou a institucionalização da cultura no país, a começar pela preservação dos patrimônios e pelo incentivo dado à iniciativa privada e à sociedade civil em geral para o investimento e financiamento de projetos e atividades culturais.

Entre entraves e avanços políticos na história do Brasil, a atribuição da agenda governamental da cultura no ano de 1990, durante o governo de Fernando Collor de Mello, sofreu com a dissolução do MinC, cujas políticas públicas de cultura passaram à alçada da Secretaria de Cultura subordinada à Presidência da República. Uma década depois, o Ministério da Cultura retornou ao seu patamar com importantes reestruturações e ampliações orçamentárias.

Em 2010, através da Lei nº.12.343, foi criado o Plano Nacional de Cultura, documento que orientava as políticas de cultura no Brasil e buscava garantir a diversidade cultural e o desenvolvimento cultural, conforme previsto na Constituição. O Plano, aprovado em 2010, ficou válido até 2024, quando o Ministério da Cultura (MinC) realizou oficinas presenciais nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal, com o objetivo de discutir com a sociedade civil o texto-base do novo Plano Nacional de Cultura (PNC) para o período de 2025 a 2035.

O Estado brasileiro voltou às crises políticas e, já em 2016, a extinção do Ministério da Cultura era uma possibilidade iminente, sendo que o governo federal realocou novamente as pastas de Educação e Cultura em único Ministério (MEC). Dada a resistência do setor cultural, a luta fortalecida pelos atores políticos unidos à sociedade conseguiu pressionar a gestão e viabilizar a recriação do MinC.

Outra onda política que maculou a cultura brasileira ocorreu entre 2018 e 2019: o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério da Cultura e o rebaixou à Secretaria Especial da Cultura, incorporado ao Ministério da Cidadania. Em seguida, novas realocações aconteceram, vinculando a então Secretaria ao Ministério do Turismo. Somente em 2023, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil retomou o status ministerial da cultura, com orçamento ampliado e novas políticas públicas. Em 2025, o MinC completa 40 anos, colocando a cultura como prioridade do atual governo e reafirmando o papel do Estado na promoção do desenvolvimento cultural do Brasil.

A Constituição Federal de 1988 é um marco democrático para a cidadania cultural e para o avanço das políticas culturais que protegem os patrimônios nacionais, afinal, garante os direitos dos cidadãos brasileiros e o dever do Estado:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: [...]

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. [...]

A ampliação do que se entende como patrimônio cultural abrange as manifestações populares e expressões historicamente menosprezadas em nossa sociedade, acarretando no crescimento significativo da conscientização dos cidadãos e na valorização da cultura. A pluralidade cultural confronta as tendências hegemônicas deste segmento, desde que as políticas públicas e as instituições atentem-se a um modelo de gestão participativa, cujo reconhecimento e legitimidade das dinâmicas sociais sejam paritárias à necessidade burocrática de preservação patrimonial (Corá, 2014).

O investimento em cultura no Brasil é primordial para a promoção da diversidade, preservação patrimonial e para a efetivação dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Um país com tantas manifestações artísticas e culturais, com um rico complexo patrimonial, precisa encontrar meios de fomentar a cultura. Pode-se dizer que os principais meios são por políticas governamentais, mediante leis de incentivo fiscal e editais do Ministério da Cultura.

A lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991 —mais conhecida como Lei Rouanet6— mobiliza recursos advindos do setor privado para promoção de apoio aos projetos culturais. Como incentivo fiscal, a lei permite a aplicação de parcelas do imposto de renda para fins de doação ou patrocínio direto ou por intermédio do Fundo Nacional da Cultura (FNC).

Já a lei complementar nº. 195, de 08 de julho de 2022, denominada Lei Paulo Gustavo7, dispõe sobre ações destinadas à cultura nacional permeadas por efeitos decorrentes da pandemia de Covid-19. A título emergencial, a lei destina-se ao acesso a recursos viabilizados por editais, chamamentos públicos, prêmios e seleções ou aquisição de bens e serviços.

Por outro lado, a esfera estatal promove os editais pelo Ministério da Cultura, que oferecem a oportunidade para que a promoção da cultura ocorra de modo democrático por intermédio de recursos públicos destinados às áreas de interesse sociocultural em todas as regiões do Brasil.

Em outubro de 2023, a Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal publicou matéria no portal oficial em que detalha a Lei Rouanet dentre seus critérios e abrangências. Com base em pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), constatou que o retorno da referida lei segue a proporção de R$1,00 investido para R$1,59 revertido, e impulsiona a economia criativa dinamizando a cadeia produtiva do Brasil há mais de 30 anos. Ainda com base na matéria, o impacto econômico da Lei Rouanet totaliza cerca de R$50 bilhões, contabilizados os patrocínios captados e a geração de renda da produção cultural.

No dia cinco de fevereiro de 2025, o Ministério da Cultura publicou a Instrução Normativa Minc nº238, com o objetivo de atualizar e modernizar os procedimentos de incentivo a projetos culturais no país, atendendo as demandas do setor produtivo cultural e da sociedade civil. A instrução normativa englobou aspectos como a valorização de culturas tradicionais como povos originários, comunidades tradicionais e grupos populares; a obrigatoriedade de acessibilidade e inclusão e o desenvolvimento dos territórios criativos com foco no desenvolvimento sustentável de ecossistemas culturais locais. Em especial, o desenvolvimento dos territórios criativos busca fomentar projetos que promovam ações de economia criativa em regiões menos atendidas do país, o que pode favorecer territórios como o Geoparque Quarta Colônia.

A fim de traçar um sucinto panorama nacional e estadual sobre a legislação e demais normativas sobre a gestão da cultura nos entes federativos do país, no que diz respeito ao estado do Rio Grande do Sul —e, portanto, abrange o território do Geoparque Quarta Colônia— é pertinente discorrer sobre o Pró-cultura RS, Sistema Estadual Unificado de Apoio e Fomento às Atividades Culturais instituído pela Lei nº. 13.490, de 21 de julho de 2010.

Com o escopo de promoção e aplicação de recursos financeiros a projetos culturais, mediante incentivos fiscais e o Fundo de Apoio à Cultura, o Pró-cultura é uma importante política pública que promove a manutenção da cultura regional por intermédio da integração de financiamentos e fomento das esferas pública e privada.

O fomento à produção cultural, à valorização da cultura, o respeito à pluralidade e a contribuição para o desenvolvimento sustentável são oportunizados por intermédio de editais e seleções públicas, incentivos fiscais e financiamento direto aos diversos segmentos da cultura, como constam relacionados no artigo 4º da referida lei. O Fundo de Apoio à Cultura, à luz do Pró-Cultura, consta no artigo 12 como FAC/RS, criado pela Lei nº. 11.706, de 18 de dezembro de 20019:

O Fundo de Apoio à Cultura do Estado do Rio Grande do Sul – FAC/RS, criado pela Lei n.º 11.706, de 18 de dezembro de 2001, terá por finalidade o financiamento direto, pelo Estado, de projetos culturais de iniciativa de pessoas físicas e de pessoas jurídicas de direito público e privado, habilitados junto à SEDAC, na forma estabelecida por esta Lei e em seu regulamento.

Segundo a Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul, em matéria publicada no portal oficial em 01 de junho de 2023, no mesmo ano foi autorizada a destinação de R$ 28 milhões para projetos culturais. A matéria destaca que, nos últimos quatro anos, foram investidos R$ 202 milhões por meio do Pró-Cultura. É um caso exemplar de política pública que facilita o acesso e a inclusão da população ao cenário cultural. Sob o prisma da democracia, a eficácia e a abrangência do apoio aos projetos culturais viabiliza a promoção de ações no Estado.

Por meio do Sistema de Cultura, que funciona em âmbito nacional, é possível a destinação correta e eficiente dos investimentos em políticas públicas com competência descentralizada e interação colaborativa entre os entes federados e a participação social. Para tanto, a organização do chamado “CPF da cultura” envolve o Conselho, o Plano e o Fundo que são indispensáveis para a existência do sistema e para que os entes acessem os recursos. Tal integração é a materialização do conceito complexo de cultura mediante a intervenção do Estado que fortalece a democracia e os direitos culturais.

A estruturação do Sistema Nacional de Cultura (SNC) é instituída pelo artigo 216-A da Constituição Federal, servindo como mecanismo para que as relações intergovernamentais e sociais operacionalizem a gestão e a promoção de políticas públicas de cultura. A Lei nº 14.835 institui o marco regulatório do SNC e garante os direitos culturais dentro dessa perspectiva de democracia participativa, que concebe a cultura em suas dimensões simbólica, cidadã e econômica como direito fundamental (Figura 2).

Figura 2. Tridimensionalidade da Cultura no Brasil

Observação. Brasil. Estruturação, Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de Cultura, 2011, p. 33.

A dimensão simbólica da cultura expressa-se por meio da língua, dos costumes, rituais, práticas, constituindo os diferentes modos de viver. Conforme destaca o documento “Estruturação, Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de Cultura” (Brasil, 2011, p. 33):

A dimensão simbólica está claramente expressa na CF/88, que inclui entre os bens de natureza material e imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro, todos os “modos de viver, fazer e criar” dos “diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (Artigo 216). Ao adotar essa dimensão ampla do conceito, o Ministério da Cultura instituiu uma política cultural que enfatiza, além das artes consolidadas, toda a gama de expressões que caracterizam a diversidade cultural do país.

A dimensão cidadã da cultura destaca que os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos, e isto se expressa: no direito autoral; no direito à participação na vida cultural; na liberdade para criar, fundir e difundir cultura; na garantia do direito à identidade e à diversidade; enfim, propondo a promoção da cidadania cultural por meio do acesso e da inclusão social a partir da cultura.

Já a dimensão econômica da cultura abrange três formas: sistema de produção, materializado em cadeias produtivas; elemento estratégico da nova economia; e conjunto de valores e práticas que se referem à diversidade cultural e à identidade dos povos.

A adesão voluntária à estrutura político-administrativa ao SNC pelos entes necessita que estes cumpram exigências legais, dentre elas é preciso que se garanta a implementação e o funcionamento da respectiva gestão. Os Conselhos de Políticas Culturais são órgãos consultivos, deliberativos e fiscalizadores. São partidários na medida em que consideram a diversidade cultural e populacional. Além disso, propõem as diretrizes para as políticas e monitoram o Plano de Cultura e a aplicação dos Fundos.

O Plano de Cultura é elemento orientador e estratégico do SNC, pois atribui ao planejamento das ações voltadas para as políticas públicas culturais a finalidade de superar interesses partidários ou governamentais para atingir o real interesse público. Através dos Fundos como fomento à cultura, assim como outros recursos orçamentários, o objetivo é proporcionar a execução das ações e programas culturais, como financiamento do que se implementa em nível municipal, estadual e federal. O caráter institucional e perene do Sistema de Cultura é a salvaguarda dos direitos constitucionais e da estabilidade da cultura em um cenário político que, em especial no Brasil, é historicamente enviesado e, portanto, instável.

Levantamento Empírico nos Municípios da Quarta Colônia do RS

Os municípios da Quarta Colônia possuem a peculiaridade de terem sido colonizados por imigrantes italianos e alemães, que inevitavelmente trouxeram ao território suas culturas. Para Lisboa Filho e Nunes (2021, p. 167), é este passado compartilhado que causa “expressiva presença de seus descendentes na região. Esta origem comum estabelece um sentimento de vinculação e identificação a uma coletividade imaginária.” No entanto, alertam que povos originários, indígenas e quilombolas, sofrem com o distanciamento cultural e identitário, além da incomunicabilidade de possíveis vinculações ou mesmo dos apagamentos históricos e exclusões sociais, que trazem prejuízos às representações e, por consequência, às relações sociais.

Rebellato, Carvalho e Lisboa Filho (2024, p. 190) interpretam que o foco de um geoparque baseia-se na busca pela construção identitária a partir dos estímulos para processos de conhecimento dos indivíduos sobre a história e o ambiente em que convivem. Assim sendo, cabe às instituições sociais as mediações de interesse público para o enquadramento das identidades aos capitais econômico, social, cultural e simbólico.

Ratificamos aqui a necessidade de se ter uma matriz econômica equilibrada, de maior diversidade, produtividade e modernização produtiva e comercial na busca de uma economia dinâmica, da competitividade sistêmica e considerando as crises setoriais cíclicas da economia brasileira. Entendemos que a comunicação associada ao desenvolvimento pode contribuir neste ínterim. (Rebellato, Carvalho e Filho, 2024, p. 190)

A gestão da cultura deve se direcionar ao desenvolvimento social mediante o estabelecimento de uma matriz econômica equilibrada, cujas especificidades da cultura, associada à comunicação, permitam a compreensão das características que formam as identidades das comunidades e, assim, possibilitem a prospecção de políticas públicas que atendam aos reais interesses dos cidadãos que comungam do sentimento de pertença e valorizam a cultura em práticas sustentáveis.

O poder público municipal é responsável por alocar os recursos em nível local, assumindo o protagonismo, pois, como argumentam Martins, Lisboa Filho e Pons (2022) em Dossiê Temático, a ação ou inação da gestão municipal impacta diretamente nos investimentos em cultura e turismo e estas são demandas da sociedade por oferta de bens e serviços que proporcionam o desenvolvimento.

Precisamos que a comunidade se aproprie e transforme essa condição em possibilidade de progresso econômico, humano e social, respeitando o meio ambiente e o preservando para as gerações vindouras (Martins, Lisbôa Filho e Pons, 2022, p. 7).

No que concerne ao território da Quarta Colônia, cujo dossiê do Geoparque estabelece como premissas “a percepção das políticas públicas na cultura e o que o desempenho dessa política pode gerar na economia” (2022, p. 8), no período de 2017 a 2020 o panorama dos investimentos em cultura dos nove respectivos municípios encontrou diferentes tipos de gestão e primou pelo fechamento completo do período de quatro anos de análise para fins de reduzir possíveis variáveis.

A análise do investimento em cultura, na Quarta Colônia, foi estabelecida pela compreensão do percentual de recursos aplicados na cultura em relação ao gasto total das prefeituras. O gasto total diz respeito ao somatório dos valores e dos empenhos pagos pela prefeitura em cada um dos anos analisados (Martins, Lisbôa Filho e Pons, 2022, pp. 13-14).

O mencionado estudo considerou que o investimento em cultura na região da Quarta Colônia caracteriza-se de acordo com: a) a intencionalidade das ações e manifestações culturais para conversão de capital e alocação de recursos públicos; e b) a efetividade das políticas públicas em termos de impacto benéfico à sociedade. Por conclusão, a avaliação restou positiva a respeito da intencionalidade das políticas públicas culturais em cada município, porque somam esforços em propósitos de construção e fortalecimento das manifestações identitárias. Ao passo em que as administrações públicas, todavia, devem se atentar à efetividade das ações propostas.

Tal constatação se justifica pelos percentuais de investimento em cultura que, mesmo sendo mais expressivos do que a média dos municípios gaúchos, ainda merecem um aporte mais significativo de recursos, justamente pelos argumentos supracitados: uma região com características culturais representada pelas manifestações identitárias (como a religiosidade e a gastronomia), pelo patrimônio paleontológico e pela paisagem natural. (Martins, Lisbôa Filho e Pons, 2022, p. 21).

Em vias de sistematizar e interpretar as informações coletadas através do levantamento empírico sobre a cultura na Quarta Colônia, considerados os aportes teóricos e legais por ora trazidos, é incontestável a importância das políticas públicas para a gestão eficiente do território enquanto condicionante para o exercício da cidadania, um direito cultural. No Quadro I a seguir, relacionamos o município, o órgão responsável e o número de trabalhadores nele lotados.

Quadro I. Relação cidade, órgão responsável e trabalhadores

CIDADE

ÓRGÃO RESPONSÁVEL

MEMBROS

Agudo

Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Cultura e Turismo

dois

Dona Francisca

Secretaria de cultura e turismo

cinco

Faxinal do
Soturno

Secretaria de educação, cultura e desporto

dois

Ivorá

Secretaria da Cultura Desporto e Turismo

dois

Nova Palma

Secretaria de Indústria, Comércio, Turismo, Cultura e Desporto

um

Pinhal Grande

Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Turismo, Desporto e Lazer

três

Restinga Sêca

Secretaria de Indústria, Comércio, Turismo, Cultura, Desporto e Lazer

dois

São João do Polêsine

Secretaria de Educação, Cultura, Desporto e Turismo

dois

Silveira Martins

Secretaria de Cultura, Turismo, Desporto e Eventos

três

Observação Autores (2022).

Em 2022 a organização cultural dos municípios da Quarta Colônia correspondia a esta configuração, sendo que à época, apenas Agudo, Faxinal do Soturno, Nova Palma e Pinhal Grande possuíam cadastro no SNC, e destes, somente Pinhal Grande não possuía conselho cultural. O outro município que não possuía CMC ou CMCP era São João do Polêsine. Quanto à atuação: Nova Palma e Silveira Martins possuíam conselhos atuantes, Agudo e Faxinal do Soturno também, porém, mensal e por demanda respectivamente. Dona Francisca, Ivorá e São João do Polêsine não possuíam conselho. Restinga Sêca possuía conselho desde 2012, com nova gestão eleita em agosto de 2022. Não houve resposta de Pinhal Grande.

As cidades de Agudo, Dona Francisca, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Sêca e São João do Polêsine não possuíam Plano Municipal. Quanto ao Fundo Municipal, somente possuíam as cidades de Agudo, Faxinal do Soturno, Ivorá, Restinga Sêca e Silveira Martins. Dado este panorama, percebe-se que Faxinal do Soturno era a única cidade que contemplava todos os requisitos apontados como essenciais para o sistema cultural. Ao contrário, São João do Polêsine não aderiu voluntariamente ao sistema e tampouco cumpria os requisitos para sua efetivação.

Com os dados informados pelos setores responsáveis pela cultura nos respectivos municípios da Quarta Colônia é possível descrever a realidade prática da gestão cultural a partir dos museus, bibliotecas, centros culturais e grupos artísticos. A seguir, apresentamos o Quadro II onde consta uma tabulação com relação aos equipamentos culturais e grupos artísticos:

Quadro II. Presença de equipamentos culturais e grupos artísticos por município

CIDADES

MUSEUS

BIBLIOTECAS

CENTROS CULTURAIS

GRUPOS ARTÍSTICOS

Agudo

X

X

X

Dona
Francisca

Faxinal do Soturno

X

X

X

X

Ivorá

X

X

Nova Palma

X

X

X

Pinhal Grande

X

X

X

Restinga Sêca

X

X

X

São João do Polêsine

X

X

Silveira Martins

X

X

X

Observação. Autores (2022).

Agudo é uma cidade que possuía um museu aberto ao público, chamado Museu Histórico Municipal Rudolf Brauer. Tratava-se de uma sala alugada junto ao Instituto Cultural, Brasileiro e Alemão. Além da Biblioteca Municipal Aldo Berger, havia onze bibliotecas, uma em cada escola municipal. Não havia centro cultural e banda municipais, porém existiam grupos artísticos de coral públicos e privados e grupos de dança - municipal e tradicional gaúcha/folclórica.

Faxinal do Soturno possuía dois museus públicos abertos ao público —Museu Fotográfico Irmão Ademar da Rocha e Museu Histórico Geringonça—, além da biblioteca municipal e algumas vinculadas a escolas públicas. Havia um centro cultural mantido por iniciativa privada, a banda municipal estava desativada, apesar do interesse público por reativação e manutenção dos instrumentos musicais. O grupo de coral era mantido por iniciativa público-privada e havia grupos de dança tradicional e cultural.

Ivorá possuía a Casa Museu Alberto Pasqualini e Acervo Municipal de mesmo nome. Além da biblioteca municipal aberta ao público, havia uma única vinculada a uma escola estadual. O Centro Cultural estava em fase de licitação e entre os grupos artísticos, apenas o Coral Municipal e o grupo de dança gaúcha.

Nova Palma, à época, tinha o Museu Histórico Municipal de Nova Palma que estava em fase de montagem e havia a biblioteca municipal, além das oito outras bibliotecas pertencentes às escolas públicas, municipais e estaduais. O centro cultural foi inaugurado em julho de 2021 e os grupos artísticos eram uma banda escolar, um coral municipal e três grupos de danças.

Pinhal Grande, com o Museu e Arquivo Histórico Municipal João Gonçalves Padilha, possuía também biblioteca municipal, aberta ao público, e outras oito escolas vinculadas às respectivas escolas. Havia o centro cultural com cursos, projetos e eventos, no entanto, não existiam grupos artísticos, apesar do planejamento de dois grupos de dança. Algumas de suas festividades típicas eram: Aniversário do Município (março); Encontro regional de barcos (março); Festa da soja (junho); Semana da Pátria e Semana Farroupilha (setembro); e Show de Natal (dezembro).

Restinga Sêca com seus museus não formalmente constituídos em 2022, de nomes Acervo Ferroviário e Museu Iberê Camargo, também possuía biblioteca municipal e outras treze vinculadas às instituições de ensino da cidade. Não possuía centro cultural, mas se instituiu um espaço cultural a ser chamado de Casa de Cultura Iberê Camargo. Dentre os grupos artísticos: banda municipal, dois corais e onze grupos de dança, inclusive tradicionais.

São João do Polêsine, com quatro museus: Museu do Imigrante Italiano Eduardo Marcuzzo - Vale Vêneto; Acervo Aléssio Borin - Vila Ceolin; Museu Casa João Luiz Pozzobon; e Museu Municipal (fechado à época) —os dois primeiros privados, o terceiro por sistema de comodato—, também possuía biblioteca municipal e outras duas vinculadas a escolas municipais e outras duas, às escolas estaduais. Contudo, não apresentava centro cultural e apresentava apenas um grupo artístico de dança tradicional. Algumas de suas festividades típicas eram: Semana do Município (de 11 a 20 de março); Festa Regional do Arroz (3º final de semana de maio); Festival Internacional de Inverno e Semana Cultural Italiana (24 a 31 de julho); Natal em comunidade (em dezembro), um na sede do Município e outro em Vale Vêneto. Algumas atividades culturais eram realizadas dentro e fora do Município, por uma associação privada vinculada a um instituto local.

Por fim, Silveira Martins tinha o Museu do Imigrante, municipal e aberto ao público, vinculado à Universidade Federal de Santa Maria. Havia uma biblioteca municipal, não possuía centro cultural e com os grupos artísticos voltados à banda municipal, ao coral e ao grupo de danças tradicionais. Algumas de suas festividades típicas eram: Festival Cultural Italiano (Maio); Festa Santo Antônio de Pádua (Junho); Baile da Batatinha (Julho); Festa Nossa Senhora da Saúde (Novembro); e Aniversário do Município (Dezembro).

Importante ressaltar que o relato exposto até aqui diz respeito à tabulação das respostas enviadas pelos responsáveis da área em cada município quando a pesquisa foi aplicada. De modo complementar, podemos citar informações adicionais de Silveira Martins obtidas em obra de Lisboa Filho et al. (2016, p. 166), que fez um mapeamento da cultura em alguns municípios da região de abrangência da UFSM:

O município é considerado o Berço da Quarta Colônia por se tratar da cidade que mais recebeu imigrantes no centro do Estado, e a partir de então deu-se início ao quarto núcleo de imigração italiana do Rio Grande Sul juntamente com Caxias do Sul, Garibaldi e Bento Gonçalves. Além disso, a cidade apresenta um relevante patrimônio arquitetônico que representa diferentes momentos econômicos, sociais e culturais.

Também podemos indicar os geossítios histórico-culturais da Quarta Colônia que constam no dossiê do Geoparque Quarta Colônia enviado à UNESCO. Geossítios são territórios em que se concentram formações geológicas com valor científico, estético, ecológico, turístico, cultural e educativo10. Seus atributos formam parte do patrimônio geológico e o Geoparque Quarta Colônia possui 23 sítios desse perfil, dentre eles, um no distrito de Vale Vêneto, em São João do Polêsine, sede do maior acervo histórico e cultural de influência católica e italiana do estado brasileiro.

Destacamos ainda, a título de exemplo da rica pluralidade histórico-cultural, a Fazenda dos Borges e a Comunidade Quilombola São Miguel dos Carvalhos. A fazenda bicentenária foi fund ada em 1789 e carrega a tradição de gerações de famílias na localidade da Restinga Sêca. A comunidade, por sua vez, é reconhecida pela Fundação Palmares e está localizada neste município, sendo espaço de resistência e perpetuação histórico-cultural de mais de 160 famílias.

Citamos que há matérias publicadas recentemente na mídia a respeito do tema. Em dezembro de 2024, foi veiculada no portal da UFSM11, matéria sobre a inauguração do Museu Municipal Casa do Nono e do acervo documental de Alberto Pasqualini, em Ivorá/RS. A matéria destaca a peculiar característica de terem sido desenvolvidos por disciplinas da instituição de ensino superior em prol da sociedade.

Consideramos que o diagnóstico realizado sobre a gestão da cultura na região da Quarta Colônia revela a premência do fortalecimento de políticas públicas em todas as esferas estatais, sendo que, em nível municipal, são instrumentos fundamentais para a valorização da identidade local e do patrimônio cultural. O sentimento de pertença à sociedade e ao território está incutido nas manifestações históricas e tradições, além de estar vinculado à geografia e aos modos de organização social, como, por exemplo, os equipamentos e eventos culturais.

Considerações finais

A gestão pública deve estar atenta ao dever constitucional de proporcionar aos cidadãos a participação dos indivíduos nesses processos, garantindo o pleno exercício da cidadania cultural. Ademais, tal atenção não se restringe à valorização patrimonial, mas deve abranger as práticas culturais que envolvem geracionalmente saberes, modos de vida e a comunicação compartilhados pela memória coletiva.

Para a efetivação do reconhecimento e da preservação dos patrimônios, é imprescindível o papel das administrações públicas para garantir a implementação de políticas culturais que, não somente promovam, mas também sustentem a cultura bem como a adesão ao sistema nacional de cultura (SNC). Papel que passou a ser ainda mais relevante com a catrástofe climática que afetou diversos espaços culturais no Rio Grande do Sul (RS).

De acordo com a Secretaria Estadual de Cultura do RS, o estado registrou danos em bens culturais de 283 cidades, englobando 57 bibliotecas, 11 teatros, 41 museus e mais de 51 casas de cultura e espaços culturais12. Não obstante, é fundamental que a iniciativa privada esteja consciente do seu papel na promoção da identidade e do desenvolvimento endógeno diante de ações políticas tão significativas.

Entende-se que a gestão cultural na Quarta Colônia deve ser um meio de interação da comunidade, que se organiza e estrutura segundo padrões de comportamentos individuais comuns a um grupo social que se sente pertencente e representado em um território como o geoparque.

A gestão pública eficiente serve, inclusive, para a transformação social e o desenvolvimento sustentável, cuja valorização identitária e patrimonial carecem de constantes investimentos em ações culturais.

As políticas culturais são consideradas democráticas quando são capazes de construir espaços de reconhecimento e desenvolvimento coletivos e também quando propiciam condições de reflexão crítica sobre os obstáculos. Para García-Canclini (2008, p. 157) o objetivo central das políticas culturais, hoje, talvez seja que “a desagregação se eleve a diversidade, e as desigualdades (entre classes, etnias ou grupos) se reduzam a diferenças”.

Portanto, novos estudos sobre a temática podem contribuir para as conexões entre desenvolvimento, comunicação e patrimônio para encontrarem, sob o viés prioritário da cultura e da democracia, as compreensões sobre as relações sociais e seus processos de socialização.

Referências

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Brasil. (2022). Lei complementar nº. 195, de 08 de julho de 2022. (2022). Dispõe sobre apoio financeiro da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para garantir ações emergenciais direcionadas ao setor cultural; [...]. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp195.htm

Brasil. (1991). Lei nº. 8.313, de 23 de dezembro de 1991. Restabelece princípios da Lei n° 7.505, de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 1991. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8313compilada.htm

Brasil. (2024). Lei nº. 14835. de 04 de abril de 2024. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14835.htm

Brasil. (2023). Secretaria de Comunicação Social. O que você precisa saber sobre a Lei Rouanet. https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/10/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-lei-rouanet

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Williams, R. (2007). Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade. Boitempo.


  1. 1 Pesquisa vinculada ao Grupo de Pesquisa “Estudos Culturais e Audiovisualidades”, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria e aos projetos “Comunicação, identidades e patrimônio cultural: perspectivas para o desenvolvimento sustentável e a democracia pelo viés dos Estudos Culturais” e “Identidades, patrimônio cultural e desenvolvimento sustentável: a comunicação como articuladora de um Centro Interpretativo Digital”, ambos projetos financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq do Brasil.

  2. 2 Conforme Decreto nº57.596, de 1 de maio de 2024, que declarou estado de calamidade pública no território do Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, atingido pelos eventos climáticos ocorridos entre os dias 24 de abril e 1 de maio de 2024,  que ocasionaram danos humanos, materiais e ambientais, com a destruição de moradias, estradas e pontes, comprometendo o funcionamento de instituições, a interdição de vias públicas, além de prejuízos econômicos e sociais. https://diariooficial.rs.gov.br/materia?id=997980.

  3. 3 https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/um-mes-de-calamidade-a-cronologia-dos-alertas-da-tragedia-no-rs/.

  4. 4 Lisboa Filho, Flavi Ferreira; Martorelli, Gustavo Neves. (2024). Análise acerca da produção acadêmica da UFSM sobre os geoparques Quarta Colônia e Caçapava e suas possíveis relações com o patrimônio cultural. pp 8-28. https://repositorio.ufsm.br/handle/1/31980.

  5. 5 https://www.gov.br/cultura/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/apresentacao.

  6. 6 A Lei Rouanet recebeu esse nome popularmente em homenagem a Sérgio Paulo Rouanet, Secretário de Cultura da Presidência da República entre 1991 e 1992, que foi o principal responsável pela elaboração e apresentação da proposta de lei. https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/lei-rouanet/

  7. 7 A Lei Paulo Gustavo recebeu esse nome em homenagem ao ator Paulo Gustavo, que faleceu em decorrência da Covid-19. É uma lei que destina recursos do Governo Federal para estados e municípios para financiar projetos culturais. A lei foi criada para apoiar o setor cultural, que foi severamente afetado pela pandemia de Covid-19. 

  8. 8 https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-minc-n-23-de-5-de-fevereiro-de-2025-611099887

  9. 9 https://www.al.rs.gov.br/FileRepository/repLegisComp/Lei%20n%C2%BA%2011.706.pdf.

  10. 10 https://www.geoparquequartacolonia.com.br/geossitios/o-que-sao-geossitios.

  11. 11 https://www.ufsm.br/unidades-universitarias/ccsh/2024/12/10/inauguracao-de-museu-e-lancamento-de-catalogo-marcam-projetos-de-extensao-da-ufsm.

  12. 12 https://admin.cultura.rs.gov.br/upload/arquivos/202407/31173403-2024-07-31-lancamento-pnab.pdf.